quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Dia Mundial da Filosofia

Liberdade e Diferença

Reaviva-se na ESEN, por meio de uma exposição de trabalhos realizados pelos alunos, a relevância da Filosofia e o seu legado de reflexão sobre valores que são inequivocamente os valores da UNESCO. Um património é uma herança que não escolhemos e que, por ser herança, nos enriquece e nos torna responsáveis pela sua conservação e multiplicação. Ensinar é, por seu lado, o gesto cuidador de conservação e transformação do recebido em algo de diferente, ou revelador de potencialidades outras que nunca se tinham destacado no que foi herdado e conservado. Nesse sentido, o Departamento de Filosofia escolheu o tema da liberdade e da diferença para convidar os alunos a pensar e cuidar do valor destes dois valores que se impuseram como tema de uma vasta tradição que deixou vasta obra e, nalguns casos, o exemplo de vida dos seus autores em nome da defesa destes mesmos valores, pensamos por exemplo em Simone Weil que, sendo sensível às condições de trabalho dos operários se tornou ela mesma operária fabril, e Levinas que, tendo perdido família nos campos de concentração, dedicou a sua vida, como pensador, a escrever e dar conferências sobre a diferença do outro e a infinitude do seu rosto.
Infelizmente os seus gestos e os seus textos não influenciam as decisões de muitos que fazem, como o filho pródigo, e decidem sob o véu do esquecimento, ignorando esse legado e essa mais funda compreensão do significado e sentido destes valores fundamentais para o indivíduo e para o coletivo das sociedades. Decidir sob um véu de esquecimento é um ato cada vez mais intencional e mais desastroso e a paisagem humana da Europa e a iminência de um conflito nuclear a nível mundial mostram-nos como é viver sob o efeito das consequências desse esquecimento voluntário do que incomoda. Afinal, reconhecer que a liberdade pode ser o fundamento do mal e que a diferença é uma fonte de poder tão poderosa como cada um dos que se consideram iguais deve ser uma reflexão a erradicar, pois a sua consideração poderia levar o cidadão a responsabilizar o que decide mal e pelo mal. Por isso, vivemos numa sociedade em que a decisão política assenta num maniqueísmo simplista, em que o mal está nos outros de que temos que, dizem, afastar-nos, ou combater, ou isolar. Ora, o mal está em cada um porque a liberdade tem o seu fundamento no homem como tão bem lembra esse poema de Miguel Torga quando diz, liberdade que estais em mim, santificado seja o vosso nome… Por outro lado, ostracizar o estrangeiro, diminui-lo na sua condição é continuar a esquecer a importância do outro e o modo como o outro, o diferente, foi fundamental para a Europa se reconhecer a si mesma e criar a sua identidade cultural. Como entender a diferença? Como uma ameaça, como um desafio humano? Humanamente, diferença é um desafio e potencializadora de encontros que alargam o tecido da nossa identidade que deve ser construção permanente, deve ser ipseidade, movimento que se faz e tece no devir e na abertura ao outro que há em nós e ao outro que vem de encontro a nós. Quando ela é redutora e propositadamente lida como ameaça, ela rotunda em etnocentrismos, racismos e relativismos problemáticos e intolerantes.
Diante da herança que torna o homem consciente de si e do mundo e da decisão política, e o homem é livre na pólis, como lembra Hannah Arendt, o aluno que é sempre cidadão e pertence à pólis, deve discutir valores, porque sem valores não há regras nem normas enraizadas ou fundadoras de um viver comum. Parafraseando Kant dir-se-ia que normas sem valores são vazias. A norma faz sentido quando ela traduz um ideal, um bem maior de realização continuada e promotora de sentido e de sensibilização. E a sensibilização para as diferenças já não é apenas uma necessidade, é uma urgência.
Neste dia, diante dos trabalhos dos nossos alunos gostaríamos de pensar que a sua obra em torno destes dois valores, liberdade e diferença, é um ato político tal como ele deve ser entendido, como uma interferência na consciência crítica daqueles que vão receber esta herança e percebem, pelo conhecimento da mesma, que a decisão não pode assentar no esquecimento mas na memória do que somos e do que foi pensado, para não chegarmos ao fim sem nada e tornando o mundo em nada.
Porque acreditamos que ensinar é enriquecer espiritualmente os alunos, acreditamos que a celebração deste dia, mais uma vez neste Centro UNESCO, é uma forma de credibilizar valores e reafirmar a nossa esperança nessa imensa arca de Noé com que a Filosofia oferece a cada geração a possibilidade de continuar o mundo no meio do ruído da ignorância e do esquecimento. O CENTRO UNESCO agradece ao Departamento de Filosofia as iniciativas e aos alunos em particular o seu renovado interesse e dinamismo reflexivo.
A Coordenadora do Centro UNESCO
Isabel Santiago

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